A poesia me abraça com asas de inspiração. Palavras se erguem de lá onde guardei os sonhos, desfazendo mantas do tempo que se desdobram. Cintilam. A poesia me convoca, roçar de asas. Asas de poesia. Me conduz em seus vôos, até o alto, nas rotas mágicas por onde os pássaros costumam voar. A poesia é a insubstituível companheira que caminha comigo.
ARABESQUE
14.4.12
Anayde Beiriz, paraíba masculina – Porque João Dantas matou João Pessoa
Anayde Beiriz escandalizou a sociedade retrógrada da Paraíba nos anos 30. Sensual e libertária, ela era publicamente a favor da autonomia feminina.
Revendo a história da década de 30 sob uma faceta diferente daquela vivida por Olga Benário, vamos contar esta semana a história de Anayde Beiriz, cuja paixão serviu também como estopim para a Revolução de 30, na Paraíba. Poetisa e professora, ela escandalizou a sociedade retrógrada da Paraíba com o seu vanguardismo: usava pintura, cabelos curtos, saía às ruas sozinha, fumava, não queria casar nem ter filhos, escrevia versos que causavam impacto na intelectualidade paraibana e escrevia para os jornais.
Anayde Beiriz nasceu em 1905 em João Pessoa. Diplomou-se pela Escola Normal em 1922, com apenas 17 anos, destacando-se como primeira aluna da turma. Além de normalista, era poeta e amante das artes. Logo que se formou, passou a lecionar na colônia de pescadores perto de sua cidade natal. Em 1925, ganhou um concurso de beleza. Circulava também nos meios intelectuais, onde declarava-se publicamente a favor da liberdade e da autonomia feminina. Tendo se destacado durante os seus estudos, formou-se na Escola Normal em maio de 1922, com apenas dezessete anos de idade, destacando-se como primeira aluna de sua classe. Após a diplomação, passou, a lecionar, alfabetizando os pescadores da então vila de Cabedelo.
Alem disso a jovem e bela, Anayde foi a vencedora de um concurso de beleza promovido pelo Correio da Manhã em 1925. Chamavam a atenção os seus olhos de cor negra, que lhe valeram o apelido, em seu círculo de amizades, de "a pantera dos olhos dormentes”.
Sendo uma mulher emancipada para os costumes do seu tempo, Anayde perturbou a sociedade conservadora da Paraíba, nos anos 30. Ousou exprimir uma sensibilidade que chocou o modelo de moralidade prevalente: sua maneira de se vestir (o uso dos decotes), o corte dos cabelos, "à la garçonne", que eram pintados, as suas idéias políticas (quando as mulheres não tinham sequer o direito ao voto) e a maneira de vivenciar o amor livre causaram escândalo.
A ligação amorosa entre João Dantas e Anayde Beiriz não era bem vista pela hipocrisia social, uma vez que não eram casados. Sensual e libertária, Anayde foi duramente exposta à sociedade paraibana. O que era uma invasão de cunho político, mobilizou todo o Brasil ao ganhar o contorno de uma grande paixão, vivida às escondidas.
Mulher de índole visceralmente revolucionária – por mais que busquem ignorar os vis filisteus de ontem e hoje - ante as características adversas do seu tempo, nos cabe exaltar, em reverso à história oficial, a história e a luta singular dessa extraordinária mulher paraibana, a qual, ainda, por saga de sua paixão, municiou à Revolução de 1930
Em 1928, iniciou seu romance com o advogado e deputado João Duarte Dantas, engajado à vida política da época, que era adversário de João Pessoa, candidato à presidência da Paraíba.
No final dos anos 29 e início dos anos 30, o Brasil sofreu reviravoltas importantes. A chamada política do "café com leite" centralizava o poder entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais. O bloco político, do qual a Paraíba fazia parte, interveio nas disputas políticas, que se tornaram violentas e as questões pessoais se misturaram às questões da vida pública. O bloco do qual o Presidente João Pessoa fazia parte, contrariava esse estado de coisas, daí o NEGO insculpido na bandeira e, como tal, as disputas políticas, se tornaram violentas e as questões pessoais, como não poderiam deixar de ser, vieram a se misturar às questões da vida pública.
Acuado pelos adversários, o Presidente João Pessoa reagiu e mandou a polícia revistar as casas dos revoltosos e suspeitos de toda ordem, em busca de armas que pudessem ser utilizadas em uma revolta armada. Um desses locais foi o escritório do advogado João Dantas, invadido em 10 de julho de 1930. Embora não tenham sido encontradas armas, os policiais depredaram as instalações e arrombam o cofre, onde foi encontrada a correspondência de Dantas, inclusive cartas e poemas de amor interagidos entre ele e Anayde Beiriz.
Nos dias seguintes, o jornal governista "A União", e outros órgãos de imprensa estadual ligados ao governo local, publicaram de forma a mais escandalosa, o conteúdo das cartas e poemas dos amantes, extraindo e propalando o seu pseudo conteúdo erótico, lançando á lama a ligação amorosa de João Dantas e Anayde Beiriz, visando fulminar a honra de Dantas.
Eclodiu o escândalo e João Dantas, furioso, ante a atitude do Presidente João Pessoa, acompanhado de um cunhado, Augusto Caldas, entra na Confeitaria Glória, no Recife, onde se encontrava o Presidente e dispara a queima roupa contra o peito de João Pessoa, matando-o. Lavava, no seu entender, com esse gesto, a sua honra ofendida, com sangue adversário falando: "Sou João Duarte Dantas, a quem tanto injuriaste e ofendeste". Matou com três tiros João Pessoa, em seguida se entregou e foi preso. Este ocorrido serviu de pivô para uma convulsão nacional que sucumbiu na Revolução de 30. A morte de João Pessoa comoveu todo o Brasil, pois ele nesta época já era muito famoso, ao ter concorrido à presidência como vice de Getúlio Vargas. Em outubro daquele ano o movimento revolucionário foi deflagrado e Anayde passou a ser perseguida e apontada na rua como "a prostituta do bandido que matou o presidente."
Preso em flagrante, João Dantas, após ter assassinado João Pessoa, é encarcerado na Casa de Detenção de Recife. Logo depois, João Dantas morreria em circunstâncias misteriosas. Apareceu enforcado na prisão e o caso foi arquivado como suicídio, apesar das cartas animadoras recebidas na véspera, por sua família. João Dantas tinha absoluta certeza de que ficaria livre pois, como advogado, conhecia as leis que, na época, admitiam a morte como Legítima defesa da Honra. Anayde se matou na prisão, ingerindo veneno. Foi enterrada como indigente e sua memória foi renegada durante anos pelos paraibanos. Sua imagem só se tronou emblemática quando foi eleita como uma das personagens míticas da história do Brasil, pelo movimento feminista. Mas, até hoje, sua memória causa desconforto naquela região. Toda a família Dantas foi perseguida na época e, nesta guerrilha dos anos 30 foi morto o pai do escritor Ariano Suassuna,- que era criança então. Seu pai, João Suassuna, era governador da Paraíba e casado com uma Dantas.
Anayde foi perseguida sem tréguas pelas ruas e, apontada em todos os lugares como a “prostituta” do bandido que matou o Presidente João Pessoa”. Acuada, desesperada, sem ter onde se abrigar, sem amigos, sem nada, ante a comoção popular, nunca vista, que seguiu-se ao assassinato do Presidente João Pessoa, Anayde, em polvorosa, abandonou em definitivo a sua residência na Paraíba e foi morar incógnita em um abrigo ( o seu último) no Recife, onde veio a visitar João Dantas.
Abandonada por todos, veio a falecer, ao que dizem, por envenenamento, por ela provocado, quando sob os cuidados de freiras. O seu corpo foi sepultado (ou atirado) como indigente no Cemitério de Santo Amaro, em Recife.
No Museu do Forte de 5 pontas em Recife, antes uma prisão onde o João Dantas foi preso, mantém a sua cela, onde se enforcou, exatamente como era, em sua homenagem.
Hoje, a sua história, tematizada no teatro, no cinema e na literatura, instiga a pensar sobre a intersecção entre os fatos da vida privada e da vida pública, no contexto da história nacional. A encenação da vida de Anayde Beiriz nos chama a atenção para as "dobras do lado de dentro" da história oficial, isto é, a dimensão do intimismo no contexto da experiência pública. Ficou conhecida como a "Paraíba masculina, mulher-macho sim senhor". A cineasta Tyzuca Iamazaki fez um filme sobre sua vida, intitulado Parahiba Mulher Macho.
João Dantas: Suicídio ou Assassinato!?
"Fique certo que nenhum Dantas se amedrontará nem se humilhará diante vosso capricho... Sou forçado lembrar, sem estardalhaço tão do agrado do vosso temperamento teatral, que felizmente tendes filhos, e juntamente com eles responderás pelo que sofrer a minha família."
(de um telegrama de João Dantas a João Pessoa)
"A procura do seu difamador percorria as ruas do bairro comercial. Depois de varejar todos os recanto veio encontrá-lo, sentado, em uma roda de amigos, na "Confeitaria Glória". Dominando a exaltação, natural do momento, controlou seus nervos que os sabia dominar. Enfrentando seu rancoroso inimigo, teve a altivez de lhe dizer quem era o autor do fim dos seus dias - "João Pessoa, sou Dr. João Duarte Dantas, a quem tanto injuriaste e ofendeste" - e isto lhe dizendo, por três vezes lhe descarregou a arma, para ele amiga, porque lhe pareceu que, naqueles disparos que o fizeram tombar, caia também o peso da inclemência que tanto o oprimia, e assim tinha, novamente, limpa a sua honra que, ignobilmente, fora tantas vezes ultrajada."
(do livro "Porque João Dantas assassinou João Pessoa")
"... Eu agi porque me afrontaram ao extremo, e o fiz sem ouvir a ninguém, por minha mão, por minha responsabilidade exclusiva..."
(de uma carta de João Dantas escrita da prisão, em Recife)
- "Mas Dr. Dantas, o Sr. cometeu o maior crime do mundo!"
- Sim, Dr., depois que recebi a maior afronta do universo"
(do livro "Porque João Dantas assassinou João Pessoa")
"E, as 15h00 e mais alguns minutos eram barbaramente sangrados, miseravelmente mortos, na penitenciária do Recife, o engenheiro Augusto Moreira Caldas e o Dr. João Duarte Dantas. Trucidavam, os canibais, duas indefesas criaturas!"
(do livro "Porque João Dantas assassinou João Pessoa")
Hoje, cabe ao mundo tirar suas próprias conclusões.
Imagens retiradas do Livro 'Por que João Dantas Assassinou João Pessoa” do Dr. Joaquim Moreira Caldas e colhidas no site http://www.princesapb.com/.
João Duarte Dantas
Foto logo após o assassinato
Um dos grandes escritores paraibanos, o Vanildo Brito, professor universitário e autor de vários livros, escreveu o poema abaixo publicado no seu livro – Poesia Selecta Seleta Carmina.
PAVANA PARA ANAYDE BEIRIZ
Anayde Beiriz, o tempo é cego
e cegos seus escuros labirintos,
mas não desfez o itinerário certo
da verdade sepulta sobre os mitos
da História. O teu martírio
retorna agora resgatado à Sorte:
no sudário da morte.
(Não choremos, Amiga, que o silêncio
Em breve será música no tempo.)
II
Nós vemos-te Anayde quase impúbere
em torno à tua sina acorrentada,
seres ferida pelos ódios rudes
das multidões incendiárias;
vemos também teus íntimos segredos
que com tanto desvelo acalentaste,
dfevassados e expostos nos roteiros
maledicentes da cidade;
...............................................................
Anayde Beiriz, a mão do tempo
refez a tua face peregrina,
Não mais se cala o frio esquecimento
Agora és fábula menina
ESCRITOS DE ANAYDE BEIRIZ:
“E, bem sabes, no amor, como em tudo, apenas me seduz a originalidade
A razão por que gostei de ti?
Porque pensei que tu eras louco
Tive sempre a extravagância de achar deliciosos os loucos que julgam ter juízo
As marcas das minhas carícias não foram feitas para desaparecer facilmente
Mil outros lábios que se incrustarem na tua boca não arrancarão de lá a lembrança da minha
Mas, se ainda assim, o conseguires, a tua vitória não será duradoura.
Não há vantagem em esquecermos hoje o que temos de lembrar amanhã
Apraz-te que eu guarde os teus beijos
Guardá-los-ei, por enquanto.
O meu amor é bem diferente: é impulsivo, torturante, estranho, infernal”
“Muitas atitudes minhas, incompreensíveis aos olhos desses fariseus por aí, vinham do angustioso recalque dos ímpetos de minha alma e da obrigação em que estava de dizer pela metade, aquilo que eu poderia dizer totalmente.”
“Eu possuo essa impetuosidade despreocupada e desinteressada dessa raça mestiça de que descende minha família paterna, também possuo, num grau tão alto como ninguém talvez possui, a altivez e o orgulho dessa raça de sertanejos a que pertence a minha mãe. A altivez é o traço predominante do meu caráter, porém minha mágoa mais dolorosa é saber-me impotente para vencer meu destino.”
“Elevemos a mulher ao eleitorado. Em vez de a conservarmos nesta menoridade convidemo-la a colaborar com o homem na oficina política.”
Passou a escrever em pequenos jornais e revistas e se destacou como a primeira mulher na imprensa alternativa paraibana identificada com o movimento modernista. Lírica, com uma imaginação criadora marcadamente evadindo-se rumo ao sonho, ela escreveu:
“Eu escrevo para criar um mundo no qual possa viver. Procuro criar um mundo como se cria um determinado clima, uma atmosfera onde eu pudesse respirar.
Devemos conquistar nossa força e edificar nossos valores com base no desenvolvimento pessoal e na descoberta de nós mesmos. Contra as desigualdades, as injustiças”
E acrescenta, voluntariamente exilada na produção literária, não apenas em texto acabado, estruturado definitivamente, sobretudo gerador de sentidos:
“Se você não respira quando escreve, não grita, não canta, então sua literatura será limitada. Quando não escrevo, meu universo se reduz, sinto-me numa prisão. Perco minha chama, minhas cores. Escrever para mim é uma necessidade.”
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Querida amiga, excelente texto, é sempre muito bom saber da história de nosso país. Tenha um lindo final de semana. Beijocas
ResponderExcluirFico feliz que tenha lhe agradado, Marilu. Beijo e ótimo finaL de semana. Jade
ExcluirParabéns, amiga, Jade. Gostei do seu blogue. Sempre que tiver um tempinho, passerei por aqui. História comovente esta neste post.
ResponderExcluirUm Abraço,
Adelson Correia da Costa
Será um prazer, ADelson. Venha mesmo. Abraço.
Excluirescrever é uma necessidade...uma necessidade que nos liberta...nos liberta a nós pássaros sedentos do azul...a nós pássaros que mesmo em silêncio dizemos com vozes diamantinas a adornar à alta treva
ResponderExcluirescrever é uma necessidade...é uma necessidade que nos liberta...nos liberta a nós pássaros sedentos e famintos a dizer até mesmo em silêncios abissais com vozes diamantinas à treva alta
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