ARABESQUE

ARABESQUE
Em passos de arabesque escrevo

26.5.10




FATALIDADE


Por esse encontro e essa intensidade, percorreríamos o mundo inteiro.
Pareciamos prever, desde sempre, da imensidão contida no amor e seu caráter de urgência. Urgência que não saberiamos colocar em palavras.
Saber da música orquestrada antes de nós a esperar-nos.
Quando imaginavamos uma vida inteira, a fatalidade destruiu os castelos, o amor fluindo pelos dedos, o tempo orquestrando os cenários da vida.


ãJade Dantas

24.5.10




evasões


por falta de jeito
revisto-me de evasões

crio algo psicodélico
um código metafórico

construo cenários sem nome
de antigas perturbações

faço novas abordagens
emolduro a vida em poesia

e reconstruo a nós dois -
o bandido e a mocinha


©Jade Dantas

20.5.10




diferenças


o vida te fez rocha
fortaleza muralha

sou a água sinuosa
que desliza ao teu lado

és puro aço
esquecido de doçuras

sou a volúpia das ondas
convidando ao mergulho

te cristalizas fechado
sou oceano revolto

és penhasco és abismo
eu sou um pássaro livre

és limite sem parágrafo
sou vôo ilimitado


©Jade Dantas

18.5.10




don't stop


escolho as intenções como bandeiras
subindo montes, quebrando barreiras

escolho a curva do horizonte
em vez da estrada reta

em vez desta noite tão imensa
de tanta ausência, escolho a intempérie

©Jade Dantas

16.5.10




calmaria


por trás da dor que se esconde
abrem-se janelas

redescobrimos o sol e o luar
lá fora há um novo dia

é o tempo exato de ressurgir
de se deixar embalar


@Jade Dantas



manipulação


direi sempre não aos horizontes restritos
da manipulação

sempre - nunca mais!
à alma fraturada

quero a voragem
a emoção partilhada do delírio
quero o mel e o sal


©Jade Dantas



braços abertos


sou nuvem, sou rio solto
reinvento minhas margens

lanço-me das montanhas
sem prisões e sem barragens

vôo mãos dadas com o vento
vôo de braços abertos

minha mente é meu refúgio
onde me escondo em palavras


©Jade Dantas



reconstrução


se teu amor foi insuficiente
e as emoções precárias

se os teus beijos
e tua voz a me falar – te amo

foram finitos como o dia
te reconstruo em novas palavras

com poesia


©Jade Dantas



confissão


nunca estou completa para a vida
meu caminho é tela nua e branca
onde me escrevo dia a dia

o amanhã é uma promessa vã
no hoje sou poesia
e o amanhã é fumaça densa

de perguntas sem morada
peregrinando eternamente
para o final


©Jade Dantas



cores de maio


redescubro o azul
nas cores de maio

na doçura de maio
nos gestos de maio

nos sorrisos de maio
meu corpo é de infinito

e o amor é encantado
na poesia de maio


©Jade Dantas

12.5.10




esfinge


não me procures
na curva dos meus ritmos
onde o tempo me perdeu de mim

quem sou é um contorno no infinito
um vulto que sumiu no corredor
mascarando a outra que ainda sou


©Jade Dantas

10.5.10




desatino


restou-me a certeza da essência
sobrevivente além do tempo

em algum recanto da alma
adormecido e resgatado

por desatinadas madrugadas
contra o ritmo implacável dos dias

mas “ eu te amo” não alcança a mão humana
e não se deleta o tempo do milagre


©Jade Dantas

9.5.10




noite


nas rotas despedaçadas
dos caminhos sem retorno

sem futuro e sem amarras
a noite recomeçava


©Jade Dantas

7.5.10





a cada vez


conduzo teus olhos, reflexos
num espelho

na ressonância das palavras
em cada poema que escrevo


©Jade Dantas




fuga


porque estás nos meus sonhos
e a saudade da tua ternura
me embaça os olhos

matarei o desejo
moldando-te aos meus dedos
e apaziguando a loucura


©Jade Dantas



sítio do meu avô


sertão. noite de inverno
luz de lamparina. interior
sítio do meu avô. cai uma chuva fina
mulherada reunida na cozinha

tomo café e escuto a observação
feita pra mim, moça da cidade
- não venha aqui de madrugada
- por quê? - melhor num vir

(sorrisos misteriosos) - sei
(querem me pegar!)
- fantasmas? (rio) - como sabe?
agora rio alto sem pensar

elas calam. suspiram
- desculpem-me - não quero chatear
- tudo bem, imagina!
porém, na madrugada, a fome bate

no meio do creme de abacate
olho de lado e fico estática:
bem junto a mim, um arlequim
enorme, olhar zombeteiro

na pia um vulto estranho
brota do ralo. tremedeira
fujo, vou me deitar. nossa! sítio, interior
nunca mais! sou da cidade!


©Jade Dantas



embriaguez


beber-te em taça de cristal
o calor a me subir no corpo
teus olhos a me aquecer a alma

beber-te e me embriagar do teu vinho
a língua acalentando teu sabor
no silêncio da noite apaziguada


©Jade Dantas



não se esquece


o mar revolto do teu corpo
já habitou minha pele

e do mar não se esquece

mesmo que passem mil anos
não se esquece o mar

o fulgor incontrolável
os murmúrios de ondas

o sabor das águas
que ainda me levam a naufragar


©Jade Dantas



desencanto


entre emoção, repúdio, dor
e olhos de espanto

nos perguntamos desencantados
- Para onde foi a humanidade

das nossas autoridades?
desgastada por pedras e sombras

a poesia repete angustiada
- Senhor, se somos brasileiros e irmãos

para onde foi banida a honestidade
dos nossos representantes do Estado

em cujas mãos confiamos o país
hoje perdido em miséria e fome?


©Jade Dantas



tempo


porque eras a presença tão sonhada
e porque era o tempo de amar

e me trouxeste teus olhos de perguntas
cortinas abertas à vida e à luz

pisando o firmamento, braços abertos
fui te encontrar

porque chamaste com voz de ansiedade
e porque eras o amor tão sonhado

inteira, sem medo da dor
fui te encontrar


©Jade Dantas



intocáveis


convidam-me e fogem intocáveis
na densidade com que me provocam
e calo com medo do delírio

falo das palavras que me escondem
falo dos sonhos indevassáveis
falo do refúgio inconfidente

em meu continente selvagem
falo de poesia e de metáforas
falo de ti


©Jade Dantas



espaços ausentes


seria apenas num retrato
catalogado no tempo
onde existes de verdade?

por densas lembranças
espaços ausentes
atravessando noites

ou apenas um retrato
reinventado
apenas meu


©Jade Dantas



murmúrios


invento palavras
sem sentido

os sons, os murmúrios
e a dança do amor

invento teus dedos
o toque das tuas mãos

invento teus beijos
os desejos dos teus olhos

no meu corpo que palpita
reinvento a ti


©Jade Dantas



valerá a pena


enquanto o vento trouxer a música
da chuva, o cheiro da terra molhada
os ciclos da natureza nas madrugadas

enquanto houver luar, o amor for um riso
de fonte na lembrança e em algum lugar
tivermos um abraço, um sorriso, um amigo

valerá a pena ter amado
valerá a pena ter vivido


©Jade Dantas



a voz do poema


desejaria tocar-te
mas que o faça o poema
de forma definitiva

que te acaricie
música a deslizar
dizendo-te, antes que te diga

do que sou
meus recatos, desacatos
antes de mim

que te leve este amor


©Jade Dantas

6.5.10




incoerência


a memória dos instantes
surge, reabre feridas

(nunca cicatrizaram na verdade)
um olhar, uma canção

colorindo de azul a incoerência
(nunca mais nos tocaremos!)

feita de ausências
a eternidade se estende à minha frente


©Jade Dantas



doçura


esqueço as armaduras
o tempo do sal
o romantismo confiscado

e entre a dor e a doçura
sou aprendiz de azul
redescobrindo a vida


©Jade Dantas



escolha


jamais te direi
mas eu te amo

com olhos de enxergar somente
o azul sem parâmetros

com mãos de recosturar a vida
esquecer noites em claro

a ausência do abraço
em infatigáveis asas de ternura

escolho amar sem nada pedir
todos os desertos a atravessar

com este renitente amor de eternidade
que nem sabes


©Jade Dantas



convite a navegar


sou oceano
sacia em mim tua sede
silencia os teus ardores

trago caminhos de ondas
e algas de todas as cores
vem navegar

não me procura no sorriso de espumas
será na profundidade
que poderás me encontrar

te acolherei, amado
entre conchas e brilhos do luar
aguardarei a âncora tua

o balanço das tuas navegações
e a doçura das tuas carícias
no meu corpo de mar


©Jade Dantas



vazio


com gosto de poeira na boca vazia
paciente e sereno

em um canto qualquer
o mendigo guardara no instante final

o olhar dolorido esquecido do tempo
dos segregados


©Jade Dantas

VÍCIO

Poema selecionado em 2009 no Quinto Concurso de Poesia Mário Quintana - Porto Alegre - RS e publicado na Antologia da Oficina de Criação Literária - 2008 / 2009, promovido pela SINTRAJUFE - RS, com o qual fui homenageada com o troféu Palavra Viva.
Jade Dantas





vício


o homem em quem deslizo
combustão no sono onde me aqueço
é vaga, vácuo, vício

luxuriantes lábios de vertigens
traz-me asas das línguas entre as coxas
e delírios de incendiar as madrugadas

o homem em quem deslizo
é vendaval em praia antes tranquila
precipício em insanidades esquecidas


©Jade Dantas

5.5.10




estratégias


crio sombras e estratégias
para tentar calar os meus desejos

porém a vida me sobe pelos dedos
e entoa a canção ansiosa por ser dita

enquanto um poema horizontal
teima em brotar do prazer dos meus enredos


©Jade Dantas



exaustão


dia exaustivo, trânsito maluco
dissonâncias

sem chances de fuga
quem sabe em sonhos me resgatas?


@Jade Dantas



ausência


se é tão claro o amor
mas tão remota a presença

nos silêncios e pausas
do passado

por quê ainda habitas os meus sonhos
como se o tempo se tivesse demorado?


©Jade Dantas



demolição


escrevo da demolição
das palavras perdidas

e paredes a escalar
talhadas em afiadas pedras

das ondas de estanho
na coerência esquecida

©Jade Dantas



reinvenção


descobrir palavras novas
e reescrever meus poemas
reinventar teu corpo

de ardências. redescobrir-me a mim
eternizar teus beijos
apagar o fim, colocar um recomeço

eliminar a distância da mente
e descobrir-te inviolável
no meu avesso


©Jade Dantas



leveza


gosto de uma loucura divertida
de um riso solto
da timidez esquecida

gosto da seriedade interrompida
do problema esquecido
gosto da vida


©Jade Dantas



amanhecer


a noite é dona do silêncio
e da escuridão dos solitários

é parágrafo calando o instante
do irrealizável

minha poesia busca a luz do dia
ansiosa por ser dita

é pássaro de asas erguidas
amanhecendo comigo

©Jade Dantas



alvorada

no perfume das tuas mãos
brilha um sorriso. não o guardes
tantos necessitam de um sorriso desarmado

não desanimes do que quiseres ser
acorda a força e a esperança
adormecidas na tua vontade

pousa teu ouvido nas nuvens, ouve as estrelas
cria o som das canções que já são tuas
e acredita em ti que o mundo será teu

@ Jade Dantas



tempestade


que venças tempestades
noites de assombro

e nevoeiros de silêncio
antes que o cinza nos adormeça

que me tragas teus olhos de seda
tua boca macia tuas mãos de brisa

sem noites de chuvas relâmpagos e frio
que me tragas teu corpo de luar

enquanto ainda podemos
recuperar a inocência perdida


©Jade Dantas



mergulho


ancorada em teu olhar
mergulhas no meu corpo de mar

do vinho um cálice de aromas
embriaguez

o azul em nossos olhos cerrados
azul nos gestos de miragens


Jade Dantas



porto


por qualquer via de transporte
para qualquer continente
onde os sonhos se tocarem

livre de amarras
com o tempo subjugado
e o sol iluminando a vida

leve como um pássaro
onde estiveres
serás meu porto de chegada


©Jade Dantas



qualquer coisa


pergunta-me se existe uma noite
em minha sombra

se reconstruo a nós dois
no que escrevo

se oculto o teu nome
no que apago

pergunta-me qualquer coisa
mesmo superficial

e sem responder o que não te direi
saberás sempre o que não quis dizer

©Jade Dantas



além da vida


para voar livre de sombras
ilimitada e solta

libero a paixão contida
esqueço a lucidez
e vou te alcançar além da vida


©Jade Dantas

4.5.10




estratégias


entre nós dois e o desejo
busco esquecer a voz da vida
e a verdade impassível

mas a ela me sobe pelos dedos
e entoa uma canção além do sol
enquanto o poema teima em brotar


©Jade Dantas



domingo


nuvem desgarrada
sonho remotos horizontes
na serenidade da praia

com a solidão dos coqueiros
ouvindo a canção do mar
e o vento sobre as folhagens

à mercê do espaço
e das chuvas guardadas
preguiça domingueira enquanto o dia passa


©Jade Dantas